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AMAC COR DE CINZA
07/05/2004
 
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27/04/2004
 
Contracções de evidências paralisaram gestos de conhecimento. O Pensador sentiu em respirações intensas o que o Joaquim queria dizer com aquela última frase. Todos somos sensíveis. A hipersensibilidade do Joaquim apenas o distinguia dos ditos normais por ser o primeiro a sentir a dor e não por ser o único a sentir a dor. O Pensador lembrava-se agora de já ter ouvido conversas no café sobre este problema das radiações. Na altura, em risadas de deuses todos achavam o tema demasiado abstracto para o dia a dia rotineiro. No café da esquina o tamanho daquela conversa tinha sido inadequado ao tamanho da vida. Mas agora o tamanho da vida abraçava a sua impotência num aperto forte e ziguezagueado de passadas trémulas. As radiações poderiam personalizar o sorriso malévolo do poder.
Nessa noite o Pensador foi à casa do silêncio.

Quem tinha falado no assunto das radiações foi o Mestre Alberto. Mestre de nome. Ele tinha uma mercearia daquelas em que as hortaliças parecem pedir ajuda para saltar dos caixotes. Daquelas em que ao lado das maçãs estão os chupa-chupas de morango e por cima dos iogurtes está a caixa dos rebuçados de mentol. O Mestre Alberto era um comunicador nato. Tinha frases encadeadas de curiosidades e interesses que agarravam por quem lá passava. Com ele a expressão : “oh Evaristo tens cá disto?” não resultava: ele logo diria. “Tenho isso e muito mais: fermento em pó óptimo para pão de ló, batata novinha para acompanhar um bacalhau assado. Ah e já viu o que aconteceu ao apresentador de televisão? E parece-me que o pior ainda está para vir”. E zaz logo se equilibrava uma conversa na ponta da língua do Mestre Alberto. um verdadeiro cozinheiro de frases soltas. Dele era de esperar qualquer assunto. E de esperar que de um momento para o outro a conversa mudasse de direcção, pois nosso Mestre bem sabia que o seu conhecimento era vasto mas superficial. E assim um dia no café se ouviu: “Queria uma meia de leite: bem quentinha. porque agora com esta coisa das radiações que afectam a cabeça dizem que o leite se não for bem quente aumenta a probabilidade de dano cerebral. O problema está nas ondas que entram e saem da nossa cabeça: entram por um ouvido. saem por outro e dizem que ao fim do dia podemos ficar com os olhos vermelhos. um pouco inflamados.”
O Pensador insultava agora o sorriso brilhante que naquela altura colocou. Conhecia bem o Mestre. Gostava de o ouvir, de o compreender, mas naquela altura não deu atenção ao que ele disse e agora a surpresa apanhara-o desprovido de realidade. assustou-o.

24/04/2004
 
O Joaquim não respondeu logo. Aliás como sempre fazia: ele respeitava o silêncio. Sabia que é possível pensar enquanto se fala mas dessa forma não conseguia organizar as palavras da maneira que mais gostava: conhecia bem o seu pensamento e sabia que ao contrário de uma frase, ele saltava entre ideias e intuições sem uma ordem, regido por impulsos e estímulos muitas vezes exteriores que algumas vezes não controlava e que podiam introduzir algumas demoras no seu.”processamento”. Então, quem o observava reparava que antes de falar o Joaquim privilegiava vários segundos de pensamento. Mas não se pense que ele depois falava sem parar. nada disso. O Joaquim também sabia que o acto de falar, por ser organizado de forma um pouco distinta relativamente ao pensamento podia permitir ao próprio pensamento atingir outros níveis de raciocínio se intercalasse pensamentos e palavras: se dialogasse. As palavras não pensam. ajudam a pensar.
Naqueles breves segundos o Pensador inspirou os olhos em algumas imagens de recordações: Na timidez de Joaquim e na forma humilde com que encarava o diálogo, o Pensador revia algumas lutas da sua juventude: alguns desesperos. alguma esperança. algum medo. muitas teorias.

As passadas eram calmas e a paisagem agora não existia. De súbito a realidade do que os rodeia metamorfoseou-se num mar agitado de ondas cinzentas que explodiam em salpicos de luz em fuga.e a bota castanha encontrava agora restos polvorentos de cinza em nuvens de movimentos matematicamente espaçados no tempo. os passos queriam chegar à casa do silêncio.

“Sou hipersensível às radiações de telemóvel. Quando algum telemóvel está perto de mim uma dor aguda me ataca fortemente na zona do cucuruto da cabeça. Uma dor muito aguda e bem localizada que pode até, quando estou perto de um antena emissora, deixar-me paralisado”.
“Já falaste do teu problema a algum especialista?”
“sim. ao início procurei um medico. Dizia-me ele que não via qualquer problema em mim,que estava impecável, dizia. Isso fazia-me sentir ainda pior pois: a dor existia mas a necessidade de me sentir normal obrigava-me a acreditar que podia ser uma “impressão”. uma “mania” que devia eliminar rapidamente. mas: o que é isto? aonde está a realidade? a dor existe ou não existe?mania? Decidi então desistir de ir ao médico por causa deste problema.”
“Como sabes então que o problema está na radiação dos telemóveis?”
“Experiências. e aquela sensação intuitiva que me faz enjoar ao ver telemóveis.Mas tenho aprendido a viver com isto.O problema é que a intensidade dessas ondas é controlável e todos somos sensíveis a ela.”


19/04/2004
 
Chamava-se Joaquim. Era apenas uma cara de homem. Aquele dia em que correu até à árvore-relógio e a trepou sem hesitar desvendou um pouco do brilho dos seus olhos: sempre escondidos em duas lentes grandes e invisíveis: ele gostava de usar óculos, mesmo sabendo que não tinham lentes: talvez gostasse de esconder o passo saltitante que apenas partilhara com o campo no dia em que chegou. e todos os dias que passavam. ou esconder que por baixo da camisa sem cor vestia uma t-shirt verde alface, que adorava, e que dizia em letras azuis e grandes: “No war”.

Todos ficamos curiosos com a sua chegada. A sua figura escondida não passava despercebida. E o anuncio que colocou: que estranho.
Durante uns dias ninguém respondeu ao anúncio. De boca em boca corria a necessidade de o conhecer melhor, de o tornar mais previsível.
Os dias foram passando e o café da esquina passou a ser ponto de passagem do Joaquim. Ele sentava-se a uma mesa e ali ficava: fazendo rabiscos num pequeno caderno que sempre o acompanhava. Sempre com o entusiasmo de quem estaria a descobrir as teorias mais complexas. mistério. E o seu chapéu: nunca o tirava. mistério. E sempre que o café começava a ter mais gente ele saía apressado. mistério.
Ora um dia o pensador acercou-se do Joaquim e disse: ”Tenho um emprego para ti. Precisamos da tua ajuda nas vindimas. Estive a conversar com os outros e ninguém irá usar telemóvel durante o trabalho. Quanto à casa e à alimentação, como as vinhas são de toda a povoação, foi complicado decidir como se resolveria o caso: mas já está. Ficas uns tempos no anexo da casa do silêncio até arranjarmos uma nova solução. Mas há uma pequena condição: deves evitar ao máximo quaisquer ruídos. A casa do silêncio é o local onde obviamente o silencio deve prevalecer: a casa tem isolamento em todo o seu redor no entanto tem que se ter cuidado. Esse é o reino do pensamento individual. e a nossa fuga para o sossego do nada .”
“Quando posso ir para lá”, pergunta o Joaquim.
“Se quiseres posso levar-te lá agora”
“Vamos”.
Não sei se o caminho até à casa do silencio era longo ou não. Naquela povoação era impossível falar em distâncias. Cada passo tem o tamanho de cada conversa ou de cada pensamento. A casa do silêncio espreitava tranquila ao cimo de cada passo.
“Mas porquê a tua recusa a telemóveis?”

13/04/2004
 
Era uma quinta-feira. No café. Encontro marcado. Sombras corriam na sua direcção compenetrados em riscos num caderno igual a todos, A5, capa castanha clara.com agrafos: o caderno da revolução. Todos lá estariam.

A origem do encontro das quintas-feiras tinha surgido alguns meses antes quando àquela povoação chegara um rapaz com os seus 24 anos, cara esguia, óculos de armação em arame fino cinzento, com lentes redondas muito grandes e que assentavam sobre um nariz comprido. Tinha um chapéu preto alto com abas pequenas, um blazer castanho grosso muito velho com protecções de couro preto nos cotovelos e uma camisa sem cor. As calças ficavam-lhe curtas: eram verdes de bombazina e deixavam ver as meias castanhas. As botas eram pretas e alongadas: bicudas. de meia altura.
O seu andar era desequilibrado num ritmo muito próprio, oscilando entre explosões de receio e explosões de coragem.

Parou junto ao café e colocou um anúncio na porta: “Oferece-se trabalho em troco de comida e alojamento. Não podem haver telemóveis na zona.”
Depois caminhou em direcção à “árvore relógio” um castanheiro saudável e poderoso, daqueles que parecem conseguir falar com as nuvens. Este castanheiro acolhia as festas de S.Martinho da povoação. E funcionava para quem vivia lá como um relógio: ninguém passava sem a olhar: a sua tranquilidade. a sua capacidade de dar natureza a quem a olha.
Para chegar até ela percorria-se um campo verde. passos almofadados de pensamentos. seguiam-se as raízes dos nossos dias.

O passo do chapéu preto acelerou. Corria. Corria. Saltava? e por fim trepou em ágeis movimentos na direcção do céu.


 
O assunto daquela conversa nunca se revelou. Nunca se proferiu qualquer palavra sobre o passado naquele dia. Pelo menos: em palavras directas. Talvez : em cumprimentos diários de humanidade. Em olhares cúmplices de conhecimento ou de existência.
Muitos se perguntavam se teria realmente existido.

Ali tudo acontecia sem passado pois o passado deve estar na nossa aprendizagem e não nas nossas decisões. Estas são reflexo do que aprendemos. dia-a-dia. E tudo acontecia em esboços esquemáticos de paz. O café da esquina era o esconderijo perfeito: um café com 4 ou 5 mesas redondas de madeira muito escura e cadeiras iguais, de tecto concavo a fazer lembrar uma abóbada mas de pequena altura, e onde o reboco levemente corado de um amarelo-torrado não tinha vergonha de transparecer imperfeições quando a luz amarela e aconchegante a inundava. Cada mesa tinha ainda um pequeno candeeiro com abajour verde escuro. e de luz muito cúmplice. O fim de tarde naquele café era misterioso: algumas horas se passavam e o tempo se dividia em conversas, em pensamentos, em risos, em solidão, em silêncio, em histórias, em música. Todos os momentos tinham ali o seu tempo e o seu respeito. Todos aprendiam a ter os seus momentos. E todos apreendiam novos momentos.
O Pensador não era afinal o único a pensar: claro. Era na verdade alguém que encaminhava os pensamentos, uma intuição de conjunto.e um moderador.
Algumas conversas faziam lembrar um remexer no baú das lembranças de criança em que a pistola segura no coldre sem hesitar ria em tiros para o ar. em conquistas de terra. em conquistas sem maldade numa terra que somos nós e por isso cada tiro dói se doer à terra.

04/04/2004
 
Aquela foi uma povoação que surgiu em segredo. Um segredo que nunca o foi porque nunca ninguém o sentiu segredo. mas era: secreta. Como sombras de vidas que não existem assim era aquele local. Sombras de vontades e de esperança que se erguiam em casas eternas e.secretas.Uma casa .outra. outra. outra. e nada. nenhuma palavra de vontade, de sonho ou de vida.
Algumas pessoas tratavam já os seus quintais. Plantas surgiam com cores diferentes do normal. Cores ousadas. E cada planta era colocada num lugar estranho do quintal. “Eu não a punha aí”,pensava. A porta de entrada, todos a fechavam com cuidado como que querendo prolongar por muitos anos a existência da sua liberdade. Todos ali chegaram com o sangue corado de irritação mas mãos serenas de carícias.

Um dia chegou um homem: estranho para o mundo normal. Vinha sozinho: só depois veio a saber-se que tinha uma mulher. Bonita de tranquilidade. Olhos que piscavam na lentidão de um sorriso. maçãs de rosto quentes de um expressar ousado de ternura. Ousada.
Ele caminhava lento por entre os limites das casas, apesar de não os conhecer. Dava alguns passos e olhava em todas as direcções. Buscava pontos de referência: o futuro daquela povoação. E cada quintal sorria com a mão levada à cabeça.

Alguns passos mais e parou. Talvez cansado. Talvez confuso. sentou-se nuns bancos compridos de jardim rodeados de nada. Alguns passos tinha dado e tudo tinha desaparecido. Quatro bancos apenas, dois frente a outros dois: só havia um lugar na ponta de um deles. Ali, com ele no meio do nada que surgiu do meio de muito estavam oitos personagens mais: seis homens. duas mulheres. Todos um pouco distraídos.
Ele também queria estar um pouco “só”.

O seu olhar fixou-se no seu respirar.Sentiu-se mais frio. Sentiu o pescoço tremer. E alguns minutos depois falou.

02/04/2004
 
Um espaço a mais
Vivia numa povoação agitada: mas, apenas no seu viver. era uma povoação que tinha uma celeridade de conjunto, num conhecimento unido. De resto era tranquila. e tinha um Pensador. Não daqueles que se perdem no pensamento mas daqueles que antes de pensar sentem os limites do próprio pensamento. Intuem a verdade, mas não a ousam descobrir toda.

Ali cada pessoa tinha o seu espaço: não como nas cidades. Espaço: pedaço de mundo suficiente para permitir sermos auto-suficientes. Todos podiam sobreviver: plantar umas batatas, umas couves, ter umas galinhas, bem: tudo o que faz de uma pessoa: Civilizada.
Havia ainda alguns que punham uma piscina nesse espaço. Outros gostavam de não ter nada. ou simplesmente ervas. Onde aos fins de tarde se deitavam de barriga para baixo com uma espingarda de chumbos e treinavam a sua pontaria. Gostavam de acertar no circulo preto do poder. Mas todos tinham essa possibilidade: a de ter um espaço seu.
Eu tinha um quintal bem recheado de vida. Organizado em carreiras de dedicação. E uma laranjeira. E uma árvore de diospiros. Mas também não dispensava um pequeno terraço que sobressaía em granito e espelhava o sol sorridente. Por trás desse terraço tinha um anexo da minha casa, também em granito, portas e janelas em madeira pintada de um vermelho muito escuro. O meu lugar de repouso. Onde o sol entra se eu quiser e onde investigo os maiores segredos do meu mundo.

Levantava-me cedo apesar de só trabalhar de tarde. Pela manhã tomava o pequeno-almoço numa mesa de ferro forjado isolada entre outras. Gostava do pão da padaria. Juntava-lhe manteiga e admirava uma união perfeita: “Afinal é possível”, pensava eu, acompanhado de um copo de leite bronzeado de café e de umas risadas madrugadoras das outras mesas.
A manhã naquela povoação era voluntária. Todos dedicavam as suas manhãs a interesses de todos. Eu era o carteiro: bem cedo, percorria calçadas afagadas em árvores e pessoas que conhecia bem. Carteiro! Carteiro! gostava de me anunciar: uma boa possibilidade para dar mais umas risadas. algumas pessoas vinham até mim. Falar é rir.
As manhãs eram tranquilas e os meus olhos podiam ser outra pessoa, sentiam-se um carteiro que nunca fui. E os meus lábios aprendiam a acariciar palavras que antes não dizia. Agora sei que não sou só uma pessoa. sou um carteiro. Sou um pouco de todas.

Pela tarde tínhamos a nossa profissão. Afinal aquela era uma povoação normal. ou quase.

28/03/2004
 
Cores esbatidas de medo
Passava muito tempo a cuidar das alfaces. gostava de me debruçar na terra escura.agarrar-me ao chão. de sentir os joelhos afundarem no macio fértil enquanto analisava cada folha de frescura. Tacteava cada uma com o cuidado da primeira. olhava cada uma com a luz de todo o dia: eram macias,brilhantes, com espessura de vida e cor que desafia o tamanho do céu. não era um verde qualquer, não era: era o de um pensamento tranquilo de alegria. cor viva e clara de um corpo que desconhece o cansaço de pensar, de buscar soluções, resolver problemas.apenas sente as raizes numa terra imensa e as suas folhas num céu infinito.
Tinham um tamanho perfeito. Pequeno suficiente para caberem muitas no meu quintal. a cada uma entregava o amor por uma cor que gostava de ter. por um espaço que lhes gostava de dar. Aquele era o meu reino. lá inundava um verde de luz claro, que não precisava esconder-se no escuro para enfrentar os dias dificeis ou passar despercebido por entre cores esbatidas de medo.
25/03/2004
 
o futuro é incerto
Pan! a porta do carro bate. o seu som é uma mistura de sons secos que se prolongam numa suavidade instantanea e irritante. São 7:30 da manhã.mais coisa menos coisa. Coloco a chave na ignição: gosto de sentir os dois metais a fundirem.slrup a chave é sugada enquanto o radio se liga automaticamente. AUTOMATICAMENTE. taritataniná: sou bombardeado por um spot publicitário. depois: as notícias.
Bla, Bla,Bla, e a "OS ESTADOS UNIDOS NÃO VÃO REDUZIR O SEU ARSENAL NUCLEAR AO NÍVEL INDICADO NO TRATADO ASSINADO HÁ DOIS ANOS COM A RUSSIA, pois querem prevenir-se para um futuro incerto". eles não batem bem. que o futuro é incerto isso não contesto: para além do rádio que liga automaticamente todas as manhãs há já alguns anos. Mas a América está constantemente a preferir um futuro certamente horrível do que um futuro incerto mas possivel. e o que estarão a pensar todos aqueles países que foram obrigados a DESTRUIR os seus armamentos nucleares. Veja-se que o que está em causa nãó é um tratado para a sua destruição mas um tratado para a diminuição de produção: e mesmo este não vai ser cumprido. " GOD SAVE AMERICA". Tenho vergonha de ser um humano, tal como eles.
23/03/2004
 
Começar de novo
Acabei de vir do gabinete de relações internacionais da minha universidade: necessitava ir lá tirar umas dúvidas sobre a burocracia pós Erámisca. Bem, certamente muitos como eu o fizeram também. Talvez a senhora que atende já tenha recebido muita gente como eu: mas. Saberá ela quais são as minhas dúvidas antes de eu as pôr?
Se há coisa que me incomoda é generalizar. Diz-se por aí que não há ninguém igual (não sei se concordarei) mas a grande maioria acredita nisso:mas então porque generalizam sempre as coisas se acreditam que todos somos diferentes? A partir daqui uma conversa torna-se mais dificil, pois para além da dificuldade para expressar a nossa vontade, surge a dificuldade de convencer com quem falo que as minhas duvidas não vão ser as do "man" que veio 10 minutos antes e que por isso tem que me deixar acabar as frases.POR FAVOR.

Entro no gabinete. Ponho uma questão. sinto a conversa logo a tomar uma tonalidade que não quero. as minhas questões não estão a ser respondidas. ouço um relato que não me interessa e afirmações de factos que não sabia existirem. Então particularizo o movimento dos lábios da senhora: movimentos bem definidos, sem receio. E os olhos: não vibram: não exprimem qualquer sensação: olhos de quem está a ver televisão. Respiro fundo. Acentuo o tom da minha voz e com palavras bem pronunciadas e lentas, olho nos olhos e começo de novo.
22/03/2004
 
Corte de faca
Faca. Brilho laminar. de perigo. manteiga que corta em deslizes que sorriem e olhos que cerram num aprofundar de dor. a faca chega ao limite da minha existencia. à minha pele. OUSA penetrar no meu espaço. na minha pele. recusa ser discreta e sem dor. na minha pele: um rasgo sem profundidade nos meus olhos. Não tenho coragem de olhar. Nao quero constatar que existo.que sou vulneravel.

Respiro. respiro: expiro um olhar cruzado de coragem. Isto acontece. AHAH isto acontece.
Olho penetrante a ferida. o rasgo, curto. Fixo os olhos em bordos latejantes e vermelhos que tento unir com o olhar: eu resisto a tudo. em poucos segundos a ferida desaparecerá . Zaz e o sangue parará. Claro que demora uns segundos: os globulos brancos têm que estudar a melhor maneira para proteger o que é meu.
Espero.tic tac. NÃO. e NÃO: continuo a sangrar. ninguém me ajuda. o meu corpo não reage. não luta. não me obdece. o meu pensamento não vale nada no meu sangue.

Mãe arranja-me um penso!

18/03/2004
 
Naquele dia acordei cedo.

Cedo de frio. calcei as meias do dia anterior e a camisa: vesti uma lavada. uma cinzenta a fugir para o claro. da cor do céu desse dia. As calças foram as mesmas de sempre. as mesmas de que não me canso lembrar. Quero um acordar tranquilo.
antes de sair de casa, calço os sapatos cansados de me verem. penso: tenho que pôr uma nota na agenda para me lembrar que preciso de uns sapatos novos. "preciso de uns sapatos novos".
A minha agenda foi a minha ultima aquisição. comprida demais para me caber no bolso. pequena demais para escrever tudo o que queria: Eu não sou perfeito. ou talvez seja completamente imperfeito.
A minha relação com as agendas sempre foi pouco cumplice. Sempre que tinha uma, perdia-a: porque a razão de uma agenda é não ter que estar sempre a pensar no que tenho que fazer.basta ir lá ver de vez enquando e já está. logo recordo. Ora, ao deixar de me preocupar tanto com os meus compromissos também me deixava de preocupar com a minha agenda: e esquecia-me dela. E esquecia-me dela. Mas confesso que não quero acordar todos os dias a pensar o que tenho para fazer nesse dia, no seguinte, depois. Vou tentar bater um record.
15/03/2004
 
Sempre que vou à casa de banho, com a ideia focada num urinar agradável, sou confrontado com uma realidade que ainda me perturba: carregar no descarregador da água. um botão metálico que acciona um descarregar de água fresca e inodora. um botão metálico brilhante que facilmente incrimina dedadas de pessoas diferentes de mim: confesso. nao carrego nesse botão.
Ora um belo dia, ouvi o descarregar da água. tinha sido eu. observei pormenorizadamente o botão de descarga. era uma produção artesanal à moda Portuguesa. feito com um daqueles interruptores de electricidade. mas acreditem: funciona. a minha tão grande proximidade a esses interruptores inconscientemente me impeliu o movimento no seu sentido. tic. xxxxxxx e lá fui embora.confuso.

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